terça-feira, 24 de abril de 2012

CDs religiosos abrem espaço no varejo tradicional

Do Valor Econômico, 23/04/2012
Por Bruna Cortez | De São Paulo


Não é de hoje que a música religiosa é um dos segmentos mais promissores da indústria fonográfica, duramente abalada pela internet e a pirataria. No Brasil, embora não existam dados oficiais de quanto o segmento representa da venda total de música, os sinais dessa importância crescente são claros. Desde 2006, os padres Marcelo Rossi e Fábio de Mello se revezam no primeiro lugar entre os álbuns mais vendidos, segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD). E no ano passado, sete dos 20 CDs campeões de vendas eram de algum artista religioso.

Regis Filho/Valor / Regis Filho/Valor 
João Paulo da Silva Bueno, da Livraria Cultura: álbuns religiosos ainda representam 1% do faturamento com música da rede, mas vendas dobraram em 2011
 
As grandes gravadoras perceberam a oportunidade há algum tempo, criando selos próprios ou investindo em artistas do gênero como parte de seu catálogo principal. Mas faltava um elo na cadeia. Em geral, quem queria encontrar um CD religioso, principalmente de artistas evangélicos, tinha de procurar uma loja especializada. Isso está mudando rapidamente. À semelhança das gravadoras tradicionais, que passaram a disputar espaço com selos específicos, grandes redes varejistas estão trazendo para suas prateleiras álbuns do gênero. Nas lojas das redes Fnac, Saraiva e Livraria Cultura, esses CDs já são tratados como um segmento comercial estabelecido, como o rap, o hip-hop ou a música clássica.

"Os álbuns religiosos ainda representam apenas 1% do nosso faturamento com música, mas as vendas de produtos no segmento dobraram em 2011", diz João Paulo da Silva Bueno, responsável pelas compras de CDs da Livraria Cultura. "Não é uma área que a gente possa ignorar."

O cenário é semelhante em outras redes varejistas, nas quais as vendas do segmento religioso são recentes e modestas, mas apresentam um ritmo de crescimento galopante.

Um dos motivos por trás desse movimento é a profissionalização do setor. Durante muito tempo, os álbuns religiosos foram sinônimo de produções amadoras, bancadas com recursos próprios e feitas em estúdios de segunda linha. Nos últimos anos, com o interesse crescente do público - e, em particular, o aumento da população evangélica - os CDs ganharam qualidade de produção e recursos de marketing. "Não é só o que está sendo cantado, mas como está sendo cantado", resume Bueno, da Livraria Cultura.

A profissionalização é tanto resultado da entrada das grandes gravadoras, quanto do investimento crescente dos selos especializados. "Se antes os produtos eram vistos como de péssima qualidade, hoje não deixamos nada a desejar em termos de arranjos, produção e projeto gráfico", diz Ana Paula Porto, gerente executiva da Graça Music, gravadora especializada criada em 1999.

A melhoria, reconhecida na indústria fonográfica, lembra um fenômeno tipicamente americano. Nos Estados Unidos, onde os protestantes representam 51,3% da população, segundo dados do projeto Pew Forum, foi criada uma ativa e bem-sucedida indústria de música religiosa. Estrelas como a cantora pop Whitney Houston e a diva da ópera Jessye Norman começaram em coros de igreja antes de fazer sucesso em esferas musicais mais amplas, mas o segmento religioso conta com estrelas próprias e até um prêmio específico - o Dove - com importância proporcionalmente semelhante à do Grammy.

O apuro técnico é um dos elementos que ajudam a vender - e bem - a música religiosa nos EUA. Em 2008, data dos números oficiais mais recentes, os americanos compraram mais de 56 milhões de álbuns religiosos, com um aumento de 38% em relação ao ano anterior, segundo dados da Gospel Music Association.

No Brasil, a entrada das gravadoras tradicionais, a partir de 2007, deu um empurrão adicional aos negócios ao proporcionar às lojas uma familiaridade com o segmento que não existia anteriormente. "O fato de já trabalharmos com as grandes gravadoras facilitou a compra [de álbuns religiosos] pela Fnac", diz Juliana Bego, gerente comercial de produtos editoriais da rede varejista.

Conhecer bem o interlocutor pode parecer um detalhe, mas é fundamental no caso da música religiosa. Existem no Brasil mais de 120 selos especializados, segundo dados da organização do Salão Internacional Gospel. Muitas dessas gravadoras têm tamanho reduzido e são ligadas a igrejas evangélicas, com menor apelo para o grande varejo. O trabalho para os lojistas é selecionar as gravadoras com maior potencial de vendas.
As redes varejistas ouvidas pelo Valor informaram estar negociando com os selos religiosos, diretamente ou por meio de distribuidores. Isso está permitindo que nomes de sucesso no universo religioso ganhem espaço nas gôndolas, mesmo que ainda não sejam tão conhecidos do grande público. A lista inclui artistas como Aline Barros, Ana Paula Valadão, Diante do Trono, Cassiane e Regis Danese. "Não deixamos de trazer [um álbum] porque não sabemos quem é o artista", diz Bueno, da Livraria Cultura.

Para as lojas, a oferta crescente de música religiosa não significa que um novo tipo de público passou a percorrer suas estantes. Essa é outra constatação importante. As livrarias perceberam que uma parte dos consumidores que compra regularmente livros e álbuns religiosos é a mesma que adquire artigos comuns, ou seculares. A diferença é que se antes eles tinham de vasculhar lojas diferentes, hoje encontram tudo - ou, pelo menos, um número maior de artigos - no mesmo lugar.



Crescimento de evangélicos influencia fenômeno


Embora não seja um fenômeno exclusivamente evangélico, o sucesso da música religiosa no Brasil tem muito a ver com o crescimento recente de dois grupos de matiz evangélica: os pentecostais e neopentecostais.

Foram essas denominações que puxaram o crescimento da população evangélica, que aumentou de 9% para 15,4% da população total entre 1991 e 2000, segundo dados do Censo 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No período, a participação dos pentecostais - igrejas como Assembleia de Deus e Congregação Cristã do Brasil, fundadas no início do século passado - subiu de 5,6% para 10,6%.

O crescimento superou com folga o dos evangélicos de missão - seguidores de igrejas protestantes com raízes europeias, como anglicanas, luteranas e presbiterianas -, que cresceram de 3% para 4% no período. Não há dados específicos sobre o número de neopentecostais, como os fiéis de igrejas como Renascer e Universal do Reino de Deus, que foram criadas nos anos 70, mas permanecem incluídas no grupo dos pentecostais para efeito do censo.

A principal diferença entre os evangélicos de missão e os pentecostais e neopentecostais é o tipo de mensagem oferecida aos fiéis, diz Antônio Flávio de Oliveira Pierucci, professor de sociologia da religião da Universidade de São Paulo (USP). "[Nessas igrejas] fala-se em prosperidade e melhoria de vida agora e não em outro mundo [após a morte], como acontece nas igrejas mais tradicionais", diz o acadêmico.

Os dados relativos à religião do Censo 2010 ainda não foram divulgados, mas outras fontes indicam, em períodos mais recentes, um aumento ainda maior que o da década anterior. De acordo com o instituto de pesquisa Datafolha, os evangélicos já representavam 25% dos brasileiros em outubro de 2010.

Frente ao crescimento expressivo, há quem diga que os evangélicos podem somar até 50% da população em 2020. Para o especialista da USP, a previsão é pouco factível. O crescimento tem sido puxado pelas duas primeiras gerações de pentecostais e neopentecostais, afirma Pierucci, e vai perder ímpeto com o passar do tempo. "Nas igrejas mais tradicionais, já se observa um fenômeno parecido com o que atingiu o catolicismo", diz o especialista.

Outro fenômeno que começa a ocorrer no Brasil é o surgimento do "evangélico genérico". O termo é usado para caracterizar alguém que é evangélico, mas não se prende a uma denominação específica, seja ela de missão, pentecostal ou neopentecostal. "É um evangélico praticante, mas não muito", diz Pierucci.
 
 

Segmento ganha exposição com grandes gravadoras

De São Paulo
Luciana Whitaker/Valor / Luciana Whitaker/Valor 
Marcelo Soares, diretor-geral da Som Livre: "Esse é o topo do iceberg de um movimento que passou anos se solidificando"
 

Visibilidade é um dos componentes centrais da roda-viva que alimenta a indústria fonográfica. Vender disco - seja um CD ou um arquivo de áudio via internet - depende, em grande medida, da exposição do artista a seu público potencial. E quanto mais álbuns vendidos, maior a capacidade da gravadora de fazer publicidade.

No caso da música religiosa, o interesse das grandes gravadoras foi fundamental para divulgar a um público mais amplo nomes só conhecidos de um círculo restrito de consumidores, dizem os varejistas. "A força de uma grande gravadora faz um trabalho de mídia que ajuda a vender esse tipo de produto", afirma Juliana Bego, gerente comercial de produtos editoriais da Fnac.

Para as gravadoras, o trabalho de marketing exigido pelo mercado religioso também é facilitado por uma característica específica desse segmento, principalmente no caso dos artistas evangélicos. O ponto é que, embora existam igrejas evangélicas muito diferentes entre si - dos protestantes históricos aos pentecostais e neopentecostais -, trata-se de um público com hábitos mais homogêneos no que se refere ao consumo de artigos religiosos. Os selos fonográficos sabem melhor com que público estão falando, o que torna mais eficiente a mensagem publicitária.

As estratégias variam de gravadora para gravadora. A Sony decidiu criar uma divisão específica. "Se tratássemos [o segmento] de maneira comum, não conseguiríamos ter acesso a esse público", afirma Mauricio Soares, diretor do departamento gospel da Sony. Soares já havia trabalhado em gravadoras especializadas e foi contratado pela Sony em 2010 para criar a unidade.

Um dos principais desafios, diz o diretor, foi estabelecer o relacionamento com os pontos de venda especializados, que continuam fundamentais nesse mercado. Agora, dois anos depois de iniciar suas atividades, a divisão gospel da Sony tem contato com cerca de 200 desses pontos. O diretor não divulga os resultados financeiros da unidade, mas afirma que o retorno veio "muito rápido".

Atrair artistas é outro desafio para as grandes gravadoras. As sondagens - a despeito da possibilidade de maior exposição - nem sempre são recebidas de braços abertos. "[Muitos cantores evangélicos] são pessoas que começam a fazer música não necessariamente para ter uma carreira", afirma Marcelo Soares, diretor-geral da Som Livre. "No momento em que o caminho [religioso] cruza com o secular, acontece uma desconfiança".

A Som Livre não divulga números específicos do segmento religioso. As vendas de CDs e DVDs nesse segmento, incluindo os de artistas católicos, representaram 25% do total vendido em 2011, em número de unidades, ante 20% em 2010. Na gravadora, o sentimento é de que a curva vai se acentuar ainda mais nos próximos anos. "O que vemos hoje é o 'topo do iceberg' de um movimento que passou anos se solidificando", afirma o diretor-geral da Som Livre.

Somadas, a Sony e a Sony Livre lançaram 23 produtos de artistas brasileiros do segmento religioso em 2011, entre CDs e DVDs. De forma mais tímida, a Universal Music também entrou nesse mercado no ano passado, com o lançamento do CD e do DVD da cantora Carol Celico, esposa do jogador de futebol Kaká.

Para quem já estava nesse mercado, como as gravadoras especializadas MK Music e Graça Music, a chegada dos grandes selos não é vista de maneira negativa. "A disputa é boa porque nos faz querer melhorar", afirma Marina Oliveira, sócia e diretora artística da MK. A gravadora foi criada há 26 anos e tem um faturamento médio de R$ 30 milhões por ano. De acordo com a executiva, vários de seus contratados têm sido procurados por grandes gravadoras, mas muitos deles preferem não deixar a empresa.

Site leva clipes para a internet

Por De São Paulo
 
No universo da internet, começam a surgir empresas brasileiras que estão de olho no segmento religioso. A LouveTV, rede social e canal de transmissões on-line de clipes musicais evangélicos, é uma dessas companhias.

"É um mercado em ascensão, no qual temos um número cada vez maior de artistas", afirma David Almiron, sócio-fundador da LouveTV. O site, lançado no fim do ano passado, exibe clipes de cantores evangélicos e permite adicionar amigos, enviar mensagens e compartilhar fotografias - recursos tradicionais de redes sociais.

O projeto teve um investimento inicial de R$ 1 milhão e foi financiado por Almiron e pelos sócios Alberto Vilar, Lêka Coutinho, Eduardo Rodrigues e Evandro Paiva. Todos já tinham experiência no mercado fonográfico tradicional. Os planos da LouveTV incluem um aporte de mais R$ 2 milhões até 2013.

De acordo com Almiron, a descoberta do potencial do mercado de música religiosa ocorreu em 2005, quando ele produziu o clipe de um artista do gênero pela primeira vez. Inicialmente, a ideia do executivo era um canal de música gospel na TV. As dificuldades e os custos relacionados à concessão de licenças, porém, afastaram essa possibilidade e o projeto foi adaptado para a web.

O site levou cerca de oito meses para ser desenvolvido e a principal fonte de receita é a venda de espaço publicitário. "Vamos entrar em contato com anunciantes e patrocinadores compatíveis com o público do site", diz. Para exibir os clipes de artistas religiosos, a LouveTV firmou acordos com selos especializados e grandes gravadoras, como a Sony Music.

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